Nem tudo é verdade

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A falta de apuração de fatos desviam os princípios jornalísticos.

Leiliane Lopes

Um dos princípios básicos do jornalismo é corresponder com a verdade, porém vemos que nem sempre isso acontece. Citaremos dois casos ocorridos no Brasil que mostram como muitas vezes esse princípio é violado.
Em março de 1994 a imprensa paulista divulgou uma denúncia de abuso sexual em alunos do colégio Escola Base, situado no bairro da Aclimação em São Paulo. O fato teve repercussão nacional, laudos médicos comprovaram que, realmente, uma das crianças foi molestada, os donos da escola foram indiciados e a colégio foi fechado.
Porém todos os fatos apresentados não correspondiam com a verdade. Erro da imprensa? Não, exclusivamente, os pais que denunciaram, o delegado que endossou o caso, o médico que assinou o laudo, todos os que, por algum motivo, armaram essa história que levou o fechamento do colégio deixando seus donos na beira da miséria.
Como sabem os jornalistas, uma determinada historia pode ter mais de dois lados (1). A nós cabe checar bem as informações e versões dos fatos para depois divulgá-los. A checagem de informações é fundamental para garantir a veracidade e trará a credibilidade da imprensa. As pessoas precisam de fontes as quais possam consultar e que lhes dirão é verdadeiro e significativo. Elas precisam de respostas para a pergunta: “No que posso acreditar?”(2) Será que sempre podemos acreditar em tudo que é veiculado na mídia?

A verdade no jornalismo
Desde muito cedo o homem busca pela verdade, pois tem desejo em saber se pode, ou não, confiar nas coisas e nas pessoas, se pode acreditas no que vê ou no que ouve. Mas como definir o que é verdade?
Existem muitos significados para a palavra verdade, porém a que mais se enquadra com o jornalismo é o significado dela em latim que é veritas e se refere à precisão e exatidão de um relato descrito, minuciosamente, o que de fato ocorreu.
Dentro deste conceito o verdadeiro estaria se referindo à linguagem usada como narrativa para enunciar fielmente as coisas como elas aconteceram. Não são os fatos que são reais ou imaginários e sim o relato sobre eles é que pode ser classificado desta forma, pois a falsidade ou a veracidade não está no objeto, e sim no juízo, podemos dizer então, que é verdadeiro quando o fato é o que ele aparenta ser. Sendo assim, dentro do jornalismo a verdade seria aquilo que pode ser verificado e demonstrado.
Entendo isto nos deparamos com uma série de processos que impedem que a verdade seja levada ao público. Não queremos discutir a imparcialidade no texto jornalístico ( aliás, um conceito bastante questionado na literatura jornalística), mas sim a verificação de fatos que, infelizmente, tem ficado em último lugar dentro do processo de capitação das informações. Um exemplo seria a sede de interesses que nos faz chegar a outro questionamento: hoje, no jornalismo, buscamos a defesa da verdade pública ou apenas interesses empresariais e publicitários?
Dentro de um fato publicado os interesses são vários, desde o que o leva à imprensa até a forma como ele é tratado. No caso Escola Base a primeira denuncia veio das mães que foram até a delegacia para que o caso fosse investigado, acontece que o delegado deveria tinha muito interesse em divulgar um de seus trabalhos e com a denuncia nas mãos resolve chamar o jornal Diário Popular que não pública a matéria. Veja um trecho do livro “Caso Escola Base, os abusos da imprensa” que nos deixa claro os interesses do delegado:
‘Na semana anterior, o delegado assistente do 6º DP, Edélson Lemos, e o jornal viram-se envolvidos em uma discussão por causa de um filme fotográfico arbitrariamente apreendido. (…)
(…) Na tarde da segunda feira em que chegou á delegacia o caso da Escola Base, Edélson Lemos telefonou para editor de policia do Diário, Paulo Breitenvieser, passando a informação com exclusividade(o delegado nega que tenha chamado o Diário)Era uma forma de se redimir da arbitrariedade cometida na semana anterior . Disse que tinha um caso bom, de violência sexual envolvendo crianças de quatro anos.’
(2000: 33 e 34)
As mães não satisfeitas pela não publicação resolveram chamar a Rede Globo que leva o caso ao ar e assim a confusão começa. Não que eles foram errados em levar a diante essa matéria, já que abusos de crianças são casos sérios que merecem uma investigação e uma punição. Mas como o jornalista Alex Ribeiro, que escreveu um livro sobre este caso, nos fala :”seria muito importante a consistência das informações que se publicam, isto é, o repórter não deve se ater a simplesmente reproduzir o que existe nos inquéritos e, pelo contrário, deveria questiona-los sempre.”(3)
Ocorre que nos últimos anos temos procurado transmitir as matérias em menor tempo para alimentar a concorrência entre as empresas jornalísticas que buscam a exclusividade, o furo. Com isso temos menos tempo para apurar a e acompanhar o fato no decorrer dos dias sem nos atentar aos detalhes. O texto jornalístico vai perdendo sua essência, pois tem se tornado, cada vez mais, uma mercadoria que precisa ser consumida rapidamente.
Além disso, os interesses das empresas e das fontes afetam o processo de investigação do jornalista, e para fazer um trabalho coerente e que seja fiel a realidade, precisamos verificar todas as partes do fato para nos aproximar com maior precisão da verdade.
Citaremos mais um caso que nos mostraria que realmente a imprensa não tem buscado transmitir a verdade. Em outubro de 2003 o programa “Domingo Legal” do SBT, levou ao ar uma reportagem com depoimentos de supostos integrantes da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). Nessa entrevista, artista e autoridades eram ameaçados de morte. Na verdade toda a entrevista era uma farsa, os entrevistados foram contratados pela produção do programa, todas as declarações foram preparadas e expostas como uma peça teatral.
Princípios básicos do jornalismo
Analisaremos esses casos segundo alguns princípios e básicos intelectuais da ciência da reportagem descritos por Bill Kovach e Tom Rosenstiel:
1-Nunca acrescente nada que não exista – Isso significa não colocar nada que não tenha acontecido.
Primeiro princípio violado; toda a entrevista do programa Domingo Legal, foi armada nada do que foi transmitido era verdade, supostamente por fim de ibope. No caso da Escola Base, a maioria das reportagens descrevia fatos que nunca existiram.
2-Não engane o publico – Isso significa que nunca devemos desorientar o publico.
Além de enganar os telespectadores a reportagem também ameaçava deixando essas aflitas.
E até mesmo destruídas, acusaram os donos da escola e alegaram que eles ensinavam educação sexual para as crianças.
3-Ser transparente – Apresentar a verdade.
Quando o caso foi dado como fraude, ninguém tomou a responsabilidade para si, apresentador, emissora, produção, todos diziam não ter culpa no episodio.
No outro episódio discutido não publicaram que o caso era só uma suspeita. Tanto que a casa de um dos acusados e até mesmo a escola, foram saqueados pelos vizinhos que ficaram horrorizados com as denuncias.
4-Originalidade – Faça seu próprio trabalho.
Se o objetivo era apenas audiência, deveria ter buscado uma forma menos agressiva ao público, deveriam acreditar mais na capacidade dos profissionais da equipe para desenvolver um trabalho sério, verdadeiro e original.
Os jornalistas deveriam questionar cada informação nova antes de divulgar a matéria sobre o abuso das crianças, assim teria evitado muitos transtornos para os jornais.
5-Humildade – Uma das formas de evitar a distorção dos fatos é manter uma honestidade sobre nossos limites de conhecimento e sobre o poder de nossas percepções.
A produção do programa não foi honesta com seu publico, passou dos limites abusando do poder de alcance que possui para unicamente conseguir audiência.
No outro caso acharam que era uma grande notícia, que os envolvidos eram monstros e deveriam ser punidos. Acharam que pelo fato ser muito grave, eles tinham o dever de proteger a sociedade de casos como este, coletando informações mentirosas.

Neste caso do programa o jogo de interesses foi bem claro, um circo foi armado com o único propósito de ganhar Ibope. Onde está o compromisso com a verdade? Você pode estar questionando o porquê de estarmos comparando dois casos completamente diferentes. Responderíamos que é para mostrar que, realmente, os princípios básicos do jornalismo estão sendo esquecidos.
Para quem trabalhamos? Nós, os jornalistas, trabalhamos para empresas ou para o público? Para quem a produção do Domingo Legal estava trabalhando quando levou ao ar a entrevista? Por ser um programa de entretenimento não é tão cobrado em termos de ética. Mas, chegar a esse ponto só nos mostra até onde podemos faltar com nossos conceitos técnicos.
Os programas de entretenimento não têm muito compromisso com matérias jornalísticas, ma esse tipo de serviço deveria ser tratado com mais seriedade e não como uma brincadeira e a direção da emissora deveria ter cobrado da produção. A verificação desse “furo” poderia ter custado menos para emissora, se fosse checado antes de levarem a público.
O que separa o jornalismo do entretenimento é a disciplina da verificação, em outras palavras, é a checagem e re-checagem das informações. Se eles se propuseram a fazer uma matéria jornalística e um programa de entretenimento, eles deveriam ter checado antes.
Os casos analisados são bem diferentes, um mostra um erro por parte das fontes que atrapalharam a transparência dos fatos, o outro foi a própria mídia que inventou informações . Porém cremos que tudo se resume nisso: Apurar bem os fatos antes de divulgá-los. Ressaltamos que seja qual for o objetivo da matéria, temos que zelar pelos princípios da profissão que é a transparência e a divulgação da verdade.

Conclusão

Podemos separar os dois casos traçando a diferença entre errado e falso. Os jornais que publicaram o caso Escola Base erram ao divulgar antes de investigar os fatos. Já o programa Domingo Legal falsificou a entrevista, levando ao ar um verdadeiro teatro. A concepção de errado é quando desconhecemos a essência de alguma coisa, e falso é quando conhecemos e, ainda assim, emitimos um juízo errado sobre a mesma.
Diante dos fatos analisados o que podemos concluir é que realmente estamos vivendo a época do tão falado “jornalismo preguiçoso”, onde estamos mais interessados em cumprir a pauta, do que nos atentarmos a detalhes dos casos e nos aprofundarmos na notícia analisando e questionando todos os dados.
Esses fatos vergonhosos nos levam a pensar no futuro do jornalismo, onde perdemos prestígio por parte do público, que tem se cansado de ver tantos erros e tantas fraudes, ou de ver sempre o mesmo tipo de matéria. Com isso, somos nós quem perdemos, perdemos nossos empregos, perdemos nossas raízes e também o direito de sermos chamados de jornalistas.
Temos princípios a serem zelados
e se observamos veremos que não é tão difícil. Tudo se resume na verificação dos dados captados e no compromisso de não nos enganarmos nem enganarmos os leitores. Lembrando que temos deveres com a empresa, mas também com eles e que sem eles( público) não teremos motivos de existir.

Bibliografia

Elementos básicos do jornalismo, o que os jornalistas devem saber e o publico exigir
Bill Kovach e Tom Rosenstiel
Caso Escola Base, os Abusos da Imprensa
Alex Ribeiro
Convite a Filosofia
Marilena Chauí
Artigos do site Observatório da Imprensa.
[1] – “Elementos básicos do jornalismo, o que os jornalistas devem saber e o publico exigir”
Bill Kovach e Tom Rosenstiel , (2001: 122)
[2]- -“ Elementos básicos do jornalismo, o que os jornalistas devem saber e o publico exigir”
Bill Kovach e Tom Rosenstiel, (2001: 77)
[3] Caso Escola Base, os Abusos da Imprensa
Alex Ribeiro (2000: 160)

 

Este Artigo foi escrito em 2004 para a Revista Plural uma publicação anual da
Universidade São Judas Tadeu que divulga artigos feitos por alunos de diversas
áreas, porém esta revista não foi publicada por problemas internos da Universidade.


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